Pedir desculpas, não sei dizer se é só uma impressão minha, mas vem se tornando uma constante nas redes sociais, principalmente, quando está ali, beirando o cancelamento ou linchamento virtual.
Refletindo um pouco, sem muito esforço de pesquisa, lembro do caso de plágio de um estudante de psicologia [3] acusado pela professora que inclusive foi bloqueada quando tentou contato.
Me lembro também da fala machista (escrota, diga-se) de um deputado eleito em relação às ucranianas [4] que vazou do privado para o público em época de pré-eleição. Aliás, aqui uma análise a parte daria um belo texto, mas ele também pediu desculpas e esse é o foco.
Tem também casos mais antigos como o da Bettina [5] que, com propaganda enganosa de marketing atraía clientes para empresa que representava; do presidente da Vale do Rio Doce em relação aos “acidentes” [6] causadores de estragos ambientais, psicológicos, físicos e financeiros na vida de cidades… ah, são tantos e vários pedidos de desculpas, que me parece, um procedimento padrão de empresas de gestão de crise pública.
Fazemos, deu ruim, fomos “pegos”, pedimos desculpas para minimizar os danos e próxima crise, por favor…
No consultório, é parecido: familiares que são tóxicos uns com os outros, reproduções de violências, ações ditas “impensadas e inconscientes” que buscam a absolvição, justiça, vingança ou várias coisas que envolvem injustiças, erros, falhas, crime, castigos ou punições…
Pedir desculpas é um comportamento resultante de atitudes questionáveis.
Executa-se ações pensadas, afinal, falamos de uma ação ou atitude de alguém, seja esse alguém uma entidade representada ou pessoa consciente e que espera (ou não) por um determinado resultado.
Em seguida vem um julgamento exterior dessa ação e a depender dessa avaliação do outro, há a glória ou o repúdio, onde se segue um pedido de desculpas quando a ação não foi bem recebida.
A palavra desculpa em sua morfologia é composta por des + culpa, onde o des exprime a ideia de separação, afastamento, ação contrária a uma culpa.
Desculpa portanto é a tentativa de se livrar de uma culpa afastando-se dela, seja comprovando que ela não existiu, seja reconhecendo que ela é verdadeira e retratando-se por isso.
Notem que nesse ponto, definido o que se entende por desculpar-se, que essa ação, posterior a uma outra, precisa ou não que aquele(a) que executou a ação sinta (ou não) algo em relação ao ato executado.
Coloco o não, nesses casos, pois o automatismo da ação de pedir desculpas cria alternativas que precisam ser consideradas: a desculpa vazia, a desculpa obrigada ou a desculpa sentida com suas intenções.
Então, pergunto: pedir desculpas, adianta (avança) ou interrompe a ação?
Eu diria que adianta, pois progredimos avançando: esquecendo, perdoando, absolvendo, tolerando a ação, negando-a ou reconciliando-a com o dado comportamento.
Mas adianta para quem?
Para aquele que cometeu o ato ou para aquele que recebeu a ação?
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Aqui cabe uma pausa para destacar que todas essas palavras utilizadas aqui têm sentidos e significados diferentes. E isso é importante!
Que ações, consequências e compreensões relativas ou consistentes em relação à cultura, aos objetivos, ao processo ético, moral ou de justiça ou vingança em relação àqueles envolvidos no processo de culpa ou desculpa fazem diferença.
Por exemplo, [1] o perdão deve ser diferenciado de termos como:
Pardoning (absolvição): que é o conceito relacionado à Justiça, e que implica perdoar legalmente alguém da pena consequente à transgressão cometida. No entanto, o perdão pode ocorrer independentemente de o sistema jurídico já ter realizado seu julgamento e/ou aplicado punições.
Nesse caso, saímos para a diferenciação da ação, intenção, crime, violência, transgressão ou da qualificação da ação a que se pede “perdão” ou absolvição (desculpa?).
Condoning (que pode ser entendido como fazer vista grossa): [1] significa aprovar um comportamento que a maioria das pessoas pensa ser errado, que implicaria justificativa para a ofensa, liberando o ofensor de qualquer responsabilidade. Diferentemente dessa ideia, perdoar não é o mesmo que desistir do pleito por justiça ou por tolerância à injustiça.
Excusing (desculpas): termo que sugere que o ofensor teve um motivo que justifique ter cometido a afronta. Mesmo que haja motivos razoáveis que expliquem a ofensa, e que esses sejam considerados, perdoar não é somente entender que não houve intencionalidade.
Forgetting (esquecimento): que traduz a ideia de que a memória da ofensa foi suprimida da consciência. Entretanto, ao perdoar, o indivíduo não deixa de se lembrar da afronta, embora seja possível relembrar a situação de um modo diferente e menos perturbador.
Denying (negação): refere-se a uma indisposição ou incapacidade para perceber que uma afronta tenha ocorrido. Contudo, fingir que nada aconteceu ou que não se sentiu magoado não é o mesmo que perdoar, embora, antes que o perdão seja posto em prática, as pessoas possam inicialmente utilizar esse recurso como forma de evitar entrar em contato com os sentimentos dolorosos eliciados pela afronta.
Reconciliation (reconciliação): sugere a restauração do relacionamento. De fato, para que possa haver reconciliação, deve haver alguma forma de perdão, entretanto, quando se perdoa, não necessariamente deve ocorrer a reconciliação.
Em relação a esse último ponto, “a distinção filosófica básica entre perdão e reconciliação é que perdoar envolve a resposta de uma pessoa a uma ofensa, enquanto a reconciliação envolve duas pessoas relacionando-se bem novamente” [Enright et al. apud 1].
Notem que aqui, já temos exemplos das três maiores problemáticas do perdão: se é um fenômeno intrapessoal (eu) ou interpessoal (outro), se está mais relacionado ao abrir mão de sentimentos, comportamentos e pensamentos negativos ou se inclui também o acréscimo de elementos positivos ou a substituição daqueles por estes, e em que extensão o perdão é um evento extraordinário – um processo que envolve transformações fundamentais na vida – ou se se trata de algo bastante comum na experiência do indivíduo.
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Em uma sociedade que luta-se por atenção, onde a individualização sobrepõe-se a individualidade do outro, onde praticamente tudo é um show business (um teatro de negócios) que se faz de tudo, testando limites capitais e depois quando “se erra” pede-se desculpas publicamente e segue o show falamos de desculpas como um comportamento pós violento realmente arrependido ou essa intencionalidade é um contorno de danos – só mais uma prática formal.
Nesse ponto, vale também apontar as diferenças entre o falar e o agir, entre o sentir e o não sentir, entre a avaliação dos resultados ou a gestão de crises para interrompê-las e de qual ponto que estamos compreendendo as desculpas?
Falamos principalmente de reparação, desejo sem ação ou aprendizado?
Cada caso é um caso que precisa ser considerado, mas nesse sentido: pedir desculpas adianta? Pedir perdão resolve?
E se resolve, resolve o que?
[7] Aprendemos isso desde cedo a pedir desculpas. Qual a criança que nunca foi obrigada a pedir desculpas a um amigo ofendido?
Muitas vezes, não houve nem culpa — ou as motivações da criança foram justas — não importa. É para ficar tudo bem. Um sopro na ferida. Uma espécie de maquiagem social.
São atos automáticos que aprendemos na infância e não passam pelo crivo da razão.
Pedimos desculpas para evitar confrontos e para escaparmos de situações embaraçosas. E carregamos isso pela vida afora.
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Espero que este texto faça você pensar um pouco nas desculpas e no perdão. Recomendo muito que leiam os textos indicados na bibliografia e que ajudaram a compor este conteúdo.
Que a razão, a intencionalidade e as consequências das ações sejam consideradas antes da ação e que a justiça possa prevalecer.
Penso que nos dias atuais, mais do que só pensar no perdão e nas desculpas, precisamos considerar a origem, os motivadores e as mudanças pessoais e em relação ao outro.
O pedido, do pedir desculpas, pode ser recusado?
Estamos carentes de desculpas ou de atitudes? Estamos cansados de injustiças ou de impunidade?
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Até breve.
Referências Bibliográficas do texto Pedir Desculpas
[1] Santana, Rodrigo Gomes e Lopes, Renata Ferrarez FernandesAspectos conceituais do perdão no campo da Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão [online]. 2012, v. 32, n. 3 [Acessado 6 Março 2022] , pp. 618-631. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000300008>. Epub 18 Dez 2012. ISSN 1982-3703. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000300008.
[2] A origem das palavras perdão e desculpa – Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. (2022). Retrieved 6 March 2022, from https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-das-palavras-perdao-e-desculpa/21625#:~:text=Este%20termo%20vem%20%C2%ABdo%20latim,ou%20a%20outrem%3B%20justificativa%C2%BB.
[7] https://vidasimples.co/colunistas/desculpe-mas-nao-posso-pedir-desculpas/