A melancolia se configura como mais um entre tantos sintomas vivenciados nos dias atuais. Mas, ela é a expressão de um sentimento antigo, datado há mais de 2 mil anos, além de ser amplo e complexo.
Foi Hipócrates (considerado o pai da medicina) no século V a.C., o primeiro a definir a melancolia como uma reação orgânica, onde o planeta Saturno exerceria influência sobre o humor do homem, fazendo com que seu baço produzisse bílis negra em excesso, desencadeando assim um estado de “humor negro”. Nos dias atuais sabemos que a bílis é produzida pelo fígado e não pelo baço.
Ao longo da história a melancolia foi retratada por muitos teóricos, passando pelos campos das ciências, das artes e até da religião, tendo diferentes classificações.
Na época medieval foi associada a tentação da carne, sendo atribuído a ela a ação de um demônio maligno.
No romantismo foi considerada como uma experiência enriquecedora da alma, sendo um tema comum na História da arte.
Frases como “A minha alegria é a melancolia” por Michelangelo ou “A melancolia é a felicidade de ser triste” de Victor Hugo ficaram famosas.
Aliás, os distúrbios psiquiátricos parecem caminhar lado a lado da genialidade, mas isso abordaremos em outra ocasião.
Com o avanço dos estudos psiquiátricos a melancolia passou a ser rotulada como uma forma de loucura, compreendida por meio de sentimento de tristeza, amargura, inibição e solidão.
Mais tarde, com os escritos de Freud sobre Melancolia e Luto, ela é descrita como uma depressão profunda e dolorosa a partir da perda de algo.
A falta de interesse pelas coisas do mundo, a perda da capacidade de amar, a diminuição das atividades da vida e a queda da autoestima são apontadas por Freud como os principais sintomas.
Mais recentemente, Lacan, se apoiando nas teorias de Freud a classificou como uma fração da psicose.
Para esse psicanalista, o sujeito se identifica com o vazio, um buraco deixado na esfera simbólica, uma dor que corresponde a anestesia sexual e o esvaziamento do desejo.
A perda para o melancólico é algo desconhecido, ele não sabe porque sofre, tornando-se o próprio vazio.
Nos dia atuais a melancolia é tida como um tipo de depressão, sendo citada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) com ao menos um dos sintomas: perda do prazer em todas ou quase todas as atividades ou falta de reação a atividades usualmente agradáveis.
Falar de Melancolia é falar de Dor Psíquica, mas o que vem a ser essa dor?
A dor é algo que faz parte da existência humana e pode ser caracterizada em dois tipos: dor física e dor psíquica.
A dor corporal não exige grandes explicações, sendo consequência de lesões físicas.
Já a dor psíquica se constitui como algo indescritível, que não possui uma causa específica, ao menos no nível consciente, uma dor que não se mede ou quantifica e é associada ao vazio.
A dor do psiquismo é apontada por muitos especialistas como tristeza profunda, trevas, sombra do eu, apatia, distúrbio do espírito, tempestade negra, entre outros.
Para a psicanálise ocorrem nos melancólicos um esvaziamento da libido (gozo, satisfação) e estes passam a sentir uma tristeza profunda diante da perda do que consideravam ideal.
Lacan a classifica como a dor de existir, associando-a ao vazio de ser do sujeito.
O melancólico elege a si mesmo como culpado da perda que ele próprio não sabe nomear, sentindo-se triste e responsável pelo infortúnio.
Esse sentimento de culpa seria a explicação para as formas delirantes de auto acusação, depreciação, sentimento de ruína e muitas vezes, tendência ao suicídio.
Mas nem toda a dor psíquica é melancolia.
Sentir-se triste, ora ou outra, com um certo vazio existência é até normal, afinal enfrentamos perdas diárias, das quais nem nos damos conta.
É o Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade, tão bem descrito por Freud em uma de suas principais obras: Mal-Estar na Civilização.
Quantas vezes acordamos querendo continuar na cama?
Ou vamos ao trabalho, quando na verdade gostaríamos de ir à praia ou até ficarmos em casa assistindo TV?
Sem contar as inúmeras vezes que temos que nos calar, engolir sapos e forçar aparências que não condiz com nossa realidade interior.
Tantas frustrações impulsionam nosso inconsciente pela busca do prazer, como forma de compensar o desequilíbrio posto.
É uma briga entre os dois princípios, entre o que de fato queremos (desejos) e as obrigações que o processo civilizatório nos impõe.
Além disso, sentimos uma dor existencial quando nos percebemos fracassados em seguir os padrões de homem bem-sucedido que são moldados na sociedade de consumo.
A riqueza, o corpo perfeito, o carro do ano, a roupa de marca, nos são ofertados diariamente como essencial a nossa felicidade, causando uma sensação de incompletude.
Dessa forma, sentir-se melancólica em alguns momentos faz parte da existência.
Mas, se este estado de sentimento persistir e for limitador, comprometendo nossas atividades cotidianas é necessário buscar ajuda psicológica para uma investigação e possível acompanhamento.
Referências:
Peres. U. T. P. Melancolia (1996). Ed. Escuta Melo, H., A. Melancolia na contemporaneidade; a dor de existir; (2011). Monografia, disponível em: http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/312/1/PDF%20-%20Hediany%20de%20Andrade%20Melo.pdf
Sigmund F. O Mal-Estar na civilização (1930). Edição Standard brasileira das obras de Freud
Respostas de 11
Parabéns pelo artigo Dra Rosimeire! Bem elaborado e de fácil entendimento. Presenteia-nos com conhecimento nessa área tão complexa.
Obrigada!
Excelente artigo de fácil compreensão. Confesso que me surpreendeu o tema: melancolia. Todos temos o nosso quinhão de melancolia. Parabéns Dra Rosemeire!
Obrigada!
Ótimo texto, muito esclarecedor.
Obrigada!
Gostei muito do texto, nos ajuda a refletir sobre nossos sentimentos.
Obrigada!
Fala do assunto com muita propriedade. Nota-se que se trata de uma profissional estudiosa e pesquisadora, a qual podemos confiar e nos entregar a um processo terapêutico profundo.
Obrigada!
Texto muito bem elaborado.
Nós dá uma bela noção de sentimentos que possuímos e nem sabemos do que se trata.
ParabénsQ