Vivenciar o luto não é somente diante das perdas de pessoas queridas para a morte.
Há processos que ocorrem na vida cuja dor, pode vir a ser semelhante ao sofrimento pela perda de alguém que partiu deste mundo.
Você pode se frustrar por perder um relacionamento ou não alcançar aquela vaga de trabalho desejada.
Às vezes poderá vir a se despedir daquele amigo que você já considerou um irmão pois ele já não cabe na sua vida e vice-versa ou acontece algo que faz com que o vínculo necessite de uma ressignificação.
O que essas experiências de perda têm em comum com aquilo que é entendido como luto (me refiro aqui a perda de pessoas queridas)?
Elas mostram que o sentimento de amor nunca morre.
Ele apenas muda de lugar.
Afinal, precisamos nos perguntar: se um investidor deixa de fazer um investimento à medida que percebe uma inconsistência na fonte, por que motivo devemos insistir em uma situação afetiva que estagnou?
Às vezes, quando surgem essas demandas gosto de trazer uma reflexão para as pessoas que acompanho por meio da Psicologia clínica: “até quando você plantará seus afetos em terrenos secos?”.
Toda vez me impressiono com o impacto que essa pergunta causa no ouvinte.
Aprendi sentindo na pele a dor de perder um amigo em vida, a dor de não ter conquistado aquele trabalho…fui aprender depois de adulta que isso também é um processo de luto.
Quando perdemos alguém em vida, isso causa uma dor tremenda.
Podemos questionar nossas posturas, desejos e até nossa “suficiência” como pessoa mas aí, pergunto: por que devemos preencher os buracos que os outros deixam?
Por mais que tentemos, isso não vai ser suficiente.
Ao invés de tentar preencher, por que não tentamos somar na vida do outro?
Acompanhar na trajetória, compartilhar pensamentos, desejos e puxar orelhas quando necessário? Isso não nos tornaria mais inteiros nas relações?
É preciso normalizar que as relações humanas devem ser sustentadas através de pontes, para que todos os componentes tenham espaço para viver e sentir o que precisa ser sentido…
Sentimentos esses sem barreiras ou tentativas de preencher espaços que não nos cabem.
Tudo na vida tem um tempo e muitas vezes, nosso tempo com determinada pessoa acabou.
É preciso deixar ir, para poder seguir.
Vai doer? Vai. Mas aqui você ganhou um repertório maravilhoso: se apropriou daquilo que você quer e não quer em um relacionamento e a partir disso, poderá fazer escolhas mais maduras à medida que valoriza aquilo que é seu e não os padrões do mundo que determinam o que é certo ou errado.
Retomando a questão da perda do emprego: muitas vezes aqui, também questionamos nossa “suficiência”.
Mas será que realmente estamos preparados para a demanda daquele local tão sonhado?
Por mais que exista o não, podemos refletir sobre como melhorar nosso trajeto profissional e olhar para nossas posturas diante do processo avaliativo da entrevista.
O mundo do trabalho não se separa da nossa identidade pessoal… aí fica mais uma pergunta: o quanto você se conhece a ponto de falar sobre você e seu trajeto profissional numa entrevista de trabalho?
E por fim, sobre o luto da perda de pessoas que amamos.
A primeira vez que eu vi a morte, eu tinha 5 anos. Ela estava com meu avô que foi vitimado por um câncer. Eu me despedi dele choroso (sim, entrei clandestinamente no hospital junto de minha mãe). Encontrar uma pessoa viva e em seguida, sem vida é estranho para uma criança.
Depois disso, ocorreram encontros com a morte através de outras perdas. A mais recente, foi a de minha mãe que sofreu um AVC. Depois do ocorrido e enquanto ela era levada para o hospital, eu olhei em seus olhos e foi como se suas baterias tivessem acabado. Ali eu senti que uma parte dela tinha ido embora.
Durante sua estada no hospital, eu me perguntava: “e se ela voltar?”
Dai eu comecei a estudar desenfreadamente sobre AVC, arrebentei uma parede em minha casa para instalar uma porta que permitisse a passagem de uma cadeira de rodas, contratei fisioterapeuta, médico, psicólogo e nutricionista para ela.
Eu tentei deixar minha casa segura para ela, assim como ela fez enquanto estava grávida de mim. Mas toda vez que eu ligava no hospital e me diziam que ela não acordava, eu pensava: e se ela não voltar?
E qual o papel da psicologia no Luto?
Esse é o tal do luto antecipatório. [1]
Diante desses cenários, qual o papel da Psicologia clínica sobre essas ocorrências?
Com o psicólogo, podemos ter um espaço seguro para elaborar o luto.
Mas o que é elaborar? É falar sobre, esgotar o tema e sentir o que precisa ser sentido.
É na psicoterapia que podemos nos reconciliar com as lembranças daqueles que se foram de nossas vidas.
1 Vale ler o trabalho https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/5992 sobre as implicações do luto