Recebi o desafio de escrever a uma leitora.
Senti muito cansaço e desesperança naquilo que ela escreveu e é evidente que os percalços enfrentados parecem ofuscar a própria percepção de evolução.
O assunto é sobre arrebentar correntes e arrombar as portas que impedem a evolução humana.
Amo a Experiência, a minha e a dos outros.
É por intermédio dela (dessa experiência) que aprendemos por onde nunca mais caminhar, quais caminhos trilhar sempre, quais percorrer com cuidado, quais são inevitáveis.
Apesar de causarem dor e cansaço, quais são evitáveis, elas também são (ou podem ser) excitantes e prazerosos.
A Experiência nos remete à evolução.
Crescemos em uma cultura competitiva e, invariavelmente, aprendemos que condições de sucesso, aperfeiçoamento, perícia e ganhos são sinônimos e indicativos privativos de evolução, mas não é bem assim.
A ideia exclusiva de que evolução é um movimento retilíneo, projetado para o alto, prevendo a transformação gradual e progressiva é errônea.
Ela sugere que tudo que nos arrasta para baixo, tudo que não nos traz satisfação imediata, que não supera as expectativas, que não promove a alegria e o contentamento anula o processo evolutivo.
E é aí que entra a minha paixão pelas histórias de vivências.
Na minha trajetória, por exemplo, já vi muitas pessoas sendo vendaval onde tudo era calmaria.
Vi gente sofrer porque renunciou pessoas por conta de um sonho.
Vi pessoas que pediram pra colocar na conta delas o peso do mundo, porque não abriram mão de caminhar para o lado oposto.
Eu mesmo já peguei a linha inversa, o caminho mais longo, o lugar mais frio, e escolhi o sabor mais amargo e a tarefa mais árdua.
Todas essas histórias podem prenunciar o retrocesso ou a estagnação, mas quem as vivenciou sabe que o gosto amargo das adversidades esconde a digestão mais fantástica da experiência humana: A liberdade da escolha, o vir-a-ser.
Gosto de gente bagunçada.
Gosto de gente que assume que está perdida. Essas histórias me fazem lembrar uma passagem do livro Grupo de Encontros (1978) do Psicólogo e cientista Carl Rogers:
Durante a minha, ainda breve, experiência como Psicólogo, as pessoas com os maiores potenciais de mobilização, as quais tive o prazer de me relacionar nos processos terapêuticos, foram aquelas que mais sentiam na pele o desespero da indecisão, o abandono e a incompreensão.
A bússola cega e os caminhos tortuosos.
A raça humana possui uma característica exclusiva à sua condição.
O animal mais complexo de todas as espécies é movido pela necessidade da satisfação plena dos seus anseios, e isso passa pelas estruturas biológicas, psicológicas e sociais.
Em uma visão Humanista, pode-se afirmar que temos cravada no ponto mais íntimo de nossa identidade uma bússola imaginária, que aponta cirurgicamente a posição que devemos ocupar ou a situação que vai sacramentar a trajetória única de cada um no mundo.
Acontece que essa bússola interna é muito eficaz para apontar o que nos preenche.
No entanto, é ineficiente para nortear os caminhos mais curtos, ao passo que também é incapaz de cruzar as informações sobre compatibilidade dos anseios das outras pessoas, com as quais conviveremos, ou simplesmente nos deparamos, na corrida insana e desenfreada pela busca de nós mesmos.
Quando, durante o percurso da vida, as experiências e as relações comumente trazem o gosto da incompreensão, da tristeza e da sensação de derrota, levando a se duvidar da própria capacidade, pode ser um indicativo de compreensão das próprias experiências.
No início deste artigo, quando disse que amo a Experiência, me referia ao processo de amadurecer, de capacitar-se na ciência da autoavaliação, da autodireção e isso implica, muitas vezes, aceitar a experiência tal qual ela é.
Grande parte das experiências vividas em nosso campo social, no convívio cotidiano com familiares, amigos, grupo escolar e profissional, nos arremessam ininterruptamente contra uma muralha de julgamentos.
As pancadas são fortes, o gosto é amargo, a dor é intensa, as escolhas são difíceis, as pessoas são rudes e incompreensíveis.
O tempo é escasso, o desconforto é imenso, os modelos impostos não encaixam, a vida não para e o próximo passo precisa ser dado.
O que fazer, considerando que desistir não é uma opção?
Em muitas situações, o tempero da vida mora no caos.
Quando a consciência das experiências permite o desenvolvimento das capacidades, o sentimento de frustração e cansaço nos embates da vida começa a ser menor.
Chega um momento que o processo de maturação nos leva a entender que algumas relações dificilmente mudarão.
É neste momento que nos apropriamos do que realmente somos e do que são os outros.
Cada um com sua individualidade, cada um com suas regras, com sua bagagem, com seu inferno pessoal, cada um com seu caos, com uma bússola nas mãos que mostra o fim, mas não os meios.
É possível (e é preciso) ser inacreditável quando não nos é dada a devida credibilidade.
É fantástico ser vencedor em meio á desconfiança da multidão…
É digno de orgasmos ser o “azarão” em meio aos mais aptos.
Ás vezes é mais preferível ser nuvens onde só existe claridade do sol.
Por incontáveis vezes minha insanidade contagiou e se tornou o padrão de saúde onde só existia o silêncio conservador, chato e dispensável dos racionais ortodoxos.
Quero terminar este artigo da mesma maneira que iniciei, falando sobre o que mais me instiga na aventura do viver: A Experiência.
Não tenho dúvida alguma que a Experiência é a base do processo de evolução humana, e que nem sempre ela é produto de uma vida controlada, quadradinha, silenciosa e organizada.
Pelo contrário, ela estará, na maioria das vezes, onde os fortes ventos sopram, onde as relações fervilham em conflitos.
Ou escrita nas mesmas páginas que absorvem as lágrimas de quem escreve com coragem a própria história, pois isso tudo é sobre arrebentar correntes e arrombar as portas que impedem a nossa evolução.
E para isso é exigido coragem, pois ninguém disse que seria fácil conquistar as recompensas universais da humanidade.
Post original: 09/04/2018 | Revisado 29/10/2021