Vamos falar sobre narcisismo. Diante da quantidade de informações que se difundem em nossa atualidade contemporânea sobre as transformações nas relações que estabelecemos com o outro. É necessário trazer um esclarecimento e uma visão da Psicologia e da Psicanálise a respeito de termos como “Narcisismo”, que têm sido amplamente utilizados para descreverem comportamentos que trazem sofrimento para muitos e, que no entanto sem considerar uma possível investigação mais aprofundada, transformam estes conceitos em senso comum quando não o são.
O conceito de “Narcisismo” tem sido usado para descrever pessoas que apresentam comportamentos agressivos sem ter aparentemente uma razão específica que justifique tal ato.
Transformando-o em “Patologias” que podem, segundo muitos, serem tratadas com psicofármacos com o intuito de controlar o comportamento julgado como indevido.
Mas é preciso entender de onde vem este termo “Narcisismo”.
Atualmente ele prolifera por meio da internet e redes sociais com diversas informações que podem muitas vezes até serem úteis, mas não necessariamente confiáveis quanto a fonte utilizada para explicar de forma clara, possibilitando uma compreensão confusa dessa maneira.
O termo narcisismo foi utilizado pela primeira vez por Sigmund Freud (1856 -1939) fundador da Psicanálise durante suas descobertas e estudos sobre a formação da personalidade (estudo do EU).
Ego, Superego e Id, instâncias descobertas como pertencentes ao consciente, pré-consciente e inconsciente.
Curiosamente Freud possuía um interesse pessoal pela mitologia grega, e parte de suas obras contidas em sua extensa biblioteca disposta em seu consultório eram em sua maioria sobre o assunto.
Foi através de uma das inúmeras histórias sobre os deuses gregos que Freud teve conhecimento sobre o conto do “Narciso”.
Um rapaz de bela imagem que se encanta e se apaixona por si mesmo ao ver sua imagem refletida em um lago e tragicamente morre ao tentar agarrar a si mesmo, por meio do espelho d’água refletido.
Mas que relação tem isso com o termo “narcisismo” utilizado de forma comum em nossos dias?
Bem, quando se trata de conceitos é importante saber sua origem para poder ter entendimento e dar sentido ao mesmo.
A Psicanálise busca investigar a personalidade humana de forma aprofundada, se inteirando de todos os processos e fases vivenciadas pelo indivíduo para que ele se constitua como ele é.
Isto significa averiguar principalmente a infância, que para ela (a Psicanálise) é a base que definirá o sujeito e suas relações no futuro.
É de suma importância salientar que para se chegar a um diagnóstico que dirá se o indivíduo é ou não detentor de uma “personalidade narcísica” depende de um fator principal: tempo.
Sim porque nada para a psicanálise, no que diz respeito a investigar o ser humano em toda a sua complexidade, é um processo simples.
O que vemos hoje é que a palavra “narcisista” se tornou um rótulo para os que de alguma forma se comportam de maneiras fora do padrão estabelecido como normal para muitos e até mesmo para a sociedade como um todo.
Todos nós possuímos em nossa personalidade o narcisismo enraizado e influenciado pela cultura em que vivemos, seja ela qual for.
Freud dentro de seu estudo da personalidade humana dividiu o narcisismo em dois processos intitulando-os de Primário e Secundário, que inicialmente se pauta na infância e que está intimamente ligado à Pulsão de Vida (Autoconservação, Sobrevivência) e Pulsão de Morte (Libido ou mais conhecido como Energia).
Diante disso já é possível enxergar até aqui que não é algo simples e, se tratando do ser humano, nunca será.
Somos uma caixa de surpresas e, muitas vezes, nem nós conhecemos o nosso outro lado, podemos sim chegar próximos de nos conhecermos intimamente e ainda sim permanecermos obscuros.
É difícil dizer se esse ou aquele indivíduo é ou não uma pessoa dotada de uma personalidade totalmente “Narcísica” para a Psicanálise.
Envolve mais que comportamentos agressivos apresentados, muito mais que uma linguagem, seja ela verbalizada ou não, e direcionada ao outro.
Mas é possível sim dizer conforme um outro grande contribuinte da Psicanálise, o francês Jacques Lacan (1901 – 1981), que acrescentou sob as teorias defendidas por Freud que o sujeito se torna quem é a partir do outro, que serve de espelho e reflete o que de fato é com suas qualidade e defeitos.
Além disso a linguagem, o uso do nosso corpo quando direcionado ao outro proporciona também uma visão espelhada (parafraseando o conto de Narciso), os desejos mais íntimos dos quais desconhecemos muitas vezes.
Por esta razão a Psicanálise entende que o diagnóstico é difícil e nada simples, mas dá luz ao revelar que quando alguém tenta ferir o outro, seja por meio do uso da linguagem ou comportamentos agressivos.
Isso evidencia, como diriam Freud e Lacan, o início do processo de negação onde o sujeito não admite certos desejos desagradáveis como sendo seus, mas pertencentes ao outro (projeção).
Uma parte escura e negativa em si, que faz com que o indivíduo ataque quem quer que seja em seu convívio para a satisfazer o desejo de afastar aquilo que é considerado inaceitável em si mesmo.
Qual a solução possível aqui para lidar com pessoas assim, ditas agressivas e egocêntricas em exagero?
Entender que nada pode se fazer pelo outro, ou seja, não é possível termos controle diante do que outro faz, mas pode-se sim controlar a própria reação diante de tais situações sofridas e que trazem angústias.
Além disso o autoconhecimento é imprescindível para definir o que pertence de fato a si e o que é do outro, não permitindo deixar-se abalar diante do que o outro faz.
A terapia ou a análise possibilitam dar condições e estruturas emocionais para enfrentar este sujeito, que no momento direciona sua agressividade ao sublimar sua libido ou energia para o outro.
É preciso compreender que confrontar o outro é uma alternativa, mas que pode fatalmente encorajar ainda mais seu processo de negação, como dizia Freud, o primeiro sintoma é sem dúvida o negar veemente sempre. A busca pelo autoconhecimento sempre será a melhor saída para combater os que não conseguem lidar consigo mesmos.
Referências:
ARAUJO, José Antônio. As diferenças, as pulsões, o narcisismo e as desavenças.Cogito, Salvador , v. 6, p. 77-79, 2004 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-94792004000100018&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 28 jul. 2018.
LAZZARINI, R. ELIANA. Emergência do Narcisismo na Cultura e na Clínica Psicanalítica contemporânea: Novos Rumos, Reiteradas Questões. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. Brasília, 2006. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/3674/1/2006_Eliana%20Rigotto%20Lazzarini.pdf acesso em 28 jul 2018.
post original 06/08/2018
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