O isolamento e a falta de contato de crianças e adolescentes com os adultos ao seu redor vem aumentando significativamente.
Ultimamente preferem ficar em seu espaço (quarto ou outro local escolhido), nos fones de ouvido, celular, computador, passando a maioria do tempo desta forma, sem motivação ou interesse para interagir e estar próximos às suas redes de apoio/ família.
Passam grande parte do tempo criando e mantendo relações momentâneas e digitais, com pouco acesso a interação e trocas compartilhadas em seus lares, vivendo em seu universo o “quarto” , isolando-se do contato físico e presente dentro de casa.
Como isso acontece?
Contextualizando este fenômeno através da minha experiência como Psicoterapeuta na clínica atendendo crianças, adolescentes e suas famílias e diante a base de estudos que me orienta, percebo que, comportamentos como estes estão vinculados a uma multiplicidade de fatores que contribuem para permanência do isolamento infantojuvenil, sendo esta ação, uma via expressiva comunicacional dentro de casa , que muitas das vezes passa despercebida pelos adultos.
Buscam através desta comunicação silenciosa, porém extremamente impactante na vida de todos ao redor, demonstrar suas necessidades, dores, e assim, mesmo que de forma distante, serem “notados” por quem está diariamente perto e não o faz.
Notado no sentido literal da palavra “que se reparou; percebido, observado”, como realmente são, dentro de sua singularidade e capacidade de viver no mundo, diferente de ser notado no sentido de “tomou nota; anotado”, mas que não foi integrado no cotidiano social e familiar de forma afetiva e acolhedora.
Alguns pontos que contribuem para que estejamos vivendo esta realidade.
- Geração solitária dentro de casa
Pais e responsáveis diante da cobrança pessoal em oferecer às crianças e adolescentes acesso à educação, saúde, qualidade de vida e bem estar, vivem muitas das vezes uma grande demanda de tempo trabalhando, dedicando-se a carreira e vida profissional, sem conseguir tempo hábil ou de qualidade para estarem em casa.
Isso resulta em crianças e adolescentes que vivem momentos cotidianos e importantes sozinhos, privados da companhia de seus pares, acostumando-se a viver desta forma, invisíveis e solitários, encontrando em seu quarto possibilidades para viverem as relações das quais sentem falta, através do acesso tecnológico, limitando-se do contato físico e das experiências sensoriais que favoreçam as relações e laços emocionais familiares.
Para pensar: como está ocupando seu tempo? Leia mais sobre isso neste texto
- Comunicação
As barreiras na comunicação se fazem presentes no cotidiano de crianças e adolescentes, que vivem isolados diariamente, ora por disporem de pouco repertório e habilidades comunicativas (por não terem o hábito ou manejo de utilizar), ora por não terem dentro de casa campo para trocas e diálogos por falta de tempo ou interesse dos adultos.
Pela pouca experiência diária de situações de contato presente, com trocas verbais e enérgicas, acabam percebendo que precisam fazer o mínimo de esforço para expressar algo, produzir gestos, demonstrar sentimentos e significados, ficando assim limitados nesse processo, preferindo sentirem-se “seguros” em seu universo solitário, sem precisar se expor diante a dificuldade de utilizar outras habilidades comunicacionais funcionais, necessárias para manutenção de suas relações familiares e sociais.
- Sofrimento e adoecimento emocional
Um dos fatores marcantes que alimentam o isolamento de crianças e adolescentes é o processo de adoecimento e sofrimento emocional.
Podemos dizer que não há apenas uma via que resulte neste processo, mas sim várias, como por exemplo, problemas e dificuldades escolares, alta demanda de produtividade, ampla expectativas e excesso de cobranças dos adultos, ausência de contato (rede de apoio), bullying, transtornos psicológicos, entre outros.
Crianças e adolescentes demonstram sofrimento de muitos jeitos e um deles é escolhendo ficar sozinhos, por isso, fique de olho neste processo .
Precisamos falar e olhar para isso…….
Atualmente estão se apoiando no comportamento de isolar-se como forma de comunicação e ajustamento para lidar com sentimentos de medo, abandono, insegurança, falta de pertencimento relacional, entre outros.
O isolamento não é a única via para que os problemas, sofrimentos e adoecimentos estejam presentes, mas sim, uma forma de percebermos que algo não está certo.
É importante lembrar que o processo de adoecer e sofrer são alimentados por aspectos como: relações ausentes e vazias; pela invisibilização e invalidação dos sentimentos; falta de comunicação; por meio da proibição expressiva do jeito de ser, por intermédio do estancamento de suas vias expressivas emocionais; aumento do sentimento de solidão e assim por diante.
Aliás, você sabe a diferença entre isolamento e solidão? Abordamos sobre isso neste texto
Para finalizar
Não culpe esta geração por muitas vezes não conseguirem agir de forma diferente e escolherem ficar mais tempo no quarto ou sozinhos, do que estar com você.
Aliás, aproveite para avaliar qual a sua contribuição para que as coisas estejam desta forma.
Por fim, não julgue.
NOTE, ACOLHA e esteja PRESENTE.
Isso pode fazer toda a diferença para que os meios de comunicação comecem a mudar por aí.
Caso tenha alguma dúvida, pergunta, você pode colocar nos comentários ou agendar uma sessão comigo.
Aproveite e envie este texto para alguém. Até logo!
Leia também:
PAIVA, M. L. de S. C. O processo de (in)dependência do adulto jovem. Cadernos CERU, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 149-156, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ceru/article/view/182166. Acesso em: 23 fev. 2021.
Fraidenraich, V. (2022). A geração do quarto: o retrato chocante da juventude brasileira. Retrieved 21 November 2022, from https://cangurunews.com.br/a-geracao-do-quarto-o-retrato-chocante-da-juventude-brasileira/