Relacionamentos abusivos são como teias, quanto mais você se mexe, mais difícil fica sair. Porém funciona se cortar as teias.
São inúmeros relatos, de mulheres em sua maioria, sobre relacionamentos abusivos. As histórias causam perplexidade e terror.
É importante identificar, reconhecer e agir nestes casos o quanto antes, há saída para esta situação e a possibilidade de contar uma nova história.
Lei Maria da Penha – protegendo a vítima do agressor
O caso mais emblemático de violência doméstica e contra a mulher foi o de Maria da Penha Maia Fernandes. Ela sofreu violência doméstica durante 23 anos de casamento.
Sobreviveu a duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. A primeira vez, em 1983, levou um tiro de espingarda, escapou da morte, mas ficou paraplégica. Quando retornou para casa, após 4 meses na cadeira de rodas, seu agressor tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro.
A Lei Maria da Penha nº 11.340/06 ganhou esse nome devido à luta da farmacêutica, natural do Ceará, para ver seu agressor condenado. A defesa do ex-marido sempre alegava irregularidades no processo e o suspeito aguardava o julgamento em liberdade.
Em 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu a sua denúncia contra o agressor. Desta forma, a Comissão recomendou ao Estado uma séria investigação do caso e reparação efetiva da vítima.
O caso só foi solucionado em 2002. O Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, obrigando o Brasil a se comprometer na reformulação das suas leis e políticas em relação à violência doméstica contra mulheres.
Maria da Penha escreveu o livro “Sobrevivi…posso contar”, onde narra as violências sofridas por ela e suas três filhas. Relata que, no dia em que o ex-marido foi embora, foi o dia mais feliz da minha vida. Recuperou suas forças, ficou com a cabeça serena.
A Lei Maria da Penha é marco histórico e trouxe uma mudança do paradigma social enraizado com o machismo, legitimando a proteção das mulheres agredidas e os seus direitos.
As 5 formas de violência previstas na Lei Maria da Penha
A violência doméstica e familiar contra as mulheres, é um crime previsto na lei e tem 5 formas de ser praticada: violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
Conheça algumas formas de agressões que são consideradas violência doméstica no Brasil:
Violência física: bater, chutar, amarrar, empurrar, sacudir, atirar objetos e ferir.
Violência sexual: estuprar, impedir o uso de método contraceptivo e exigir práticas sexuais que a mulher não goste e impossibilite a mulher de exercer plenamente seus direitos sexuais e reprodutivos.
Violência psicológica: qualquer comportamento que reduza a autoestima, controle suas ações e cause danos emocionais. Por exemplo, humilhar, insultar, ridicularizar, chantagear e isolar do convívio social.
Violência moral: caluniar, difamar, injuriar e expor a vida íntima. Por exemplo, vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança.
Violência patrimonial: controlar a vida financeira sem autorização, destruir objetos e patrimônio da pessoa, impedir o trabalho e ocultar bens.
É uma lei abrangente no conceito de violência para todas as relações humanas. Por isso, serve para todas as pessoas de qualquer gênero, transexuais, homossexuais e heterossexuais.
A vítima precisa estar em situação de vulnerabilidade em relação ao agressor. Importante ressaltar que o agressor não precisa ser necessariamente seu parceiro amoroso, pode ser um parente ou uma pessoa do seu convívio.
O que é um relacionamento abusivo?
O primeiro tabu a ser quebrado é que uma relação abusiva não é configurada apenas pela clássica agressão física e/ou sexual.
Algumas pessoas acreditam que a violência só tem validade quando há sangue e/ou sinais marcantes no corpo. Mas já está comprovado que a violência psicológica é a maior responsável pelo adoecimento das pessoas em uma relação abusiva.
Relacionamento abusivo é aquele onde predomina o excesso de poder de um em relação ao outro.
É o desejo de controlar a parceira a qualquer custo, de tê-la exclusivamente para si.
A maior armadilha é que esse comportamento, geralmente, inicia-se de modo sútil. Aos poucos vai ultrapassando os limites e causando intenso sofrimento e mal-estar.
As tramas de uma relação abusiva
Uma complexidade de fatores permeia uma relação abusiva, mas, os principais indicativos de uma pessoa abusiva são: possessividade; ciúme; controle rigoroso das ações e decisões do outro; atitudes violentas verbais e físicas; desejo de isolar a parceira do convívio com as demais pessoas, até mesmo de familiares e amigos; pressão para obrigar a satisfação das suas vontades, incluindo as sexuais.
Os frutos destrutivos decorrentes destes tipos de violência deixam a pessoa oprimida em um estado massacrante de infelicidade ou inadequação.
Trazendo à tona sentimentos como tristeza, angústia, culpa, desprezo, apatia, incapacidade, solidão e tantos outros aspectos degradantes e limitantes que atestam que o relacionamento é tóxico, doentio e completamente desnecessário.
As dores sentidas na pele deixam marcas de feridas emocionais profundas e levam tempo para estancar o sangramento e serem tratadas adequadamente.
Por que a relação abusiva é mantida?
A crença popular diz que “A pessoa está em um relacionamento abusivo porque quer, se não quiser é só separar.”
Se é assim, por que muitas vítimas não conseguem sair de uma relação abusiva?
Há relatos que essas mulheres não confiam nas leis e medidas de proteção, sentem-se presas fáceis do agressor.
As vítimas sentem medo diante um processo que ainda é juridicamente longo quando têm a oportunidade de fazer a denúncia.
Fato agravado pela cultura social de culpabilização das vítimas. As mulheres ainda se sentem culpadas pelo abuso, se preocupam com as opiniões dos outros, acham que o parceiro não é deste jeito e acreditam na mudança dele.
O medo e a insegurança parecem ser a resposta mais provável. Mas, quando encontram um apoio efetivo, essas mulheres fazem o corte na relação.
Infelizmente, os noticiários evidenciam que a coragem de denunciar pode ser tardia, o assassinato chegou antes.
As falas características de um abusador
Muitas são as frases utilizadas pelo agressor de maneira habitual após praticar a agressão. Geralmente com pedidos de desculpas, mas transferindo para a vítima a responsabilidade pela violência.
“Você me provocou”; “estava bêbado”; “na verdade foi sua culpa”; “você se veste como vadia”; “você é irritante quando fala”; “aquilo não importa mais”; “eu tive um dia péssimo”; “você estava errada”; “você precisa de ajuda”; “eu tive uma infância ruim”; “foi meu inferno astral”; “você deu motivos”; “eu sei que estou certo”; “eu amo você”.
Essas frases são bombardeios que deixam a vítima mais confusa, culpada, reforçando mitos sociais de fragilidade, incapacidade, necessidade de dependência, deturpação da própria imagem e autoestima. Colocando-se assim em uma posição de permissividade e dependência.
A relação de dependência
Não existe abusador sem abusado, é uma relação de dependência. Dois lados de uma mesma moeda, um na posição de opressor (abusador) e o outro na posição de oprimido (abusado).
São situações que causam incômodo e mal-estar, construindo uma relação patológica crônica, onde a pessoa que se coloca na posição de vítima é permissiva e mergulha profundamente no campo do aprisionamento e da despersonalização.
Compreender o motivo pelo qual se submete é fundamental para o processo de cura e libertação.
Quais crenças estão envolvidas? Qual a vulnerabilidade? Qual a impotência?
Esta é a reflexão inicial a ser feita antes de qualquer outra etapa.
Como identificar se o meu relacionamento é abusivo?
É possível identificar se você está vivenciando um relacionamento abusivo ou se pessoas ao seu redor estão submersas nesta situação pelos sinais de excessos em relação ao poder e domínio do outro.
Lembrando sempre que as características de relações abusivas são os jogos emocionais e mentais de controle, de manipulação (direta ou indireta), de aprisionamento e despersonalização.
Um relacionamento abusivo pode se estabelecer em qualquer área da vida: amorosa, familiar, social, profissional, etc.
É preciso reconhecer que se vive uma relação abusiva
Reconhecer a relação abusiva é essencial. Também é importante saber o porquê se permitiu relacionar com uma pessoa perversa, violenta, com personalidade tóxica, manipuladora e controladora.
Como citado acima, o outro só faz conosco o que permitimos. Portanto, abusador e abusado tem uma relação de dependência, de alimentação mútua, eles coexistem.
Faz-se necessária a compreensão do porquê a vítima está se posicionando no mesmo formato doentio que o abusador neste círculo vicioso, porque suporta e aceita aquela situação.
Como se libertar de um relacionamento abusivo?
É inegável a dificuldade para sair de um relacionamento abusivo por envolver uma rede complexa de implicações emocionais, sociais, econômicas, legais e burocráticas. Por esta razão é necessário apoio neste processo.
O importante é a pessoa saber que tem saída, que ela não está sozinha e que há pessoas e vários órgãos das esferas pública e privada, que estão disponíveis para apoiar o processo de ruptura e soerguimento para a condição de dignidade e de vida saudável.
Amor é respeito!
O site Love is Respect https://www.loveisrespect.org/dating-basics/relationship-spectrum/ disponibiliza em inglês um espectro para identificação do tipo de relacionamento entre Saudável, Não saudável e Abusivo.
Por exemplo:
Qualquer pessoa deseja ser amada e cuidada pelo seu parceiro = Saudável;
Se você tiver um desentendimento, seu parceiro usa o tratamento do silêncio e não conversa com você por dias = Não saudável;
Seu parceiro controla suas contas nas redes sociais = Abusivo.
Psicoterapia e autoestima
A busca desse perfil relacional abusivo é para suprir questões internas.
É questão de autoestima: “a forma como eu me percebo, o que eu quero para minha vida”. E isso precisa sim de análise terapêutica.
Não fomos educados para falar de emoções com profissionais, mas a psicoterapia é um valioso instrumento. Com ela é possível sinalizar e desenvolver novos recursos para encontrar a solução, que está em você.
Felizmente hoje o tema é amplamente debatido para despertar consciências e transformar vidas.
Espero que esse texto contribua para que todos tenham coragem de cortar as teias do relacionamento abusivo, e voar como lindas borboletas.
Respostas de 2