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casa de repouso uma visita

Casa de repouso: um olhar

Casa de repouso: são muitas e nem sempre repousam em seu interior o acolhimento necessário.

Esse texto é para o leitor ou leitora que não sabe como é valoroso um cotidiano. Cotidiano é vida!

Toda a sua estrutura psíquica, leitor, está calcada nas experiências cotidianas.

E quando alguém fica exilado ou asilado, há a morte mesmo. Há a perda do sentido de viver, há a perda do que produzir. Há apenas um estado de espera da morte do corpo físico.

Esse texto busca revelar como uma “Casa de Repouso” pode embutir práticas preconceituosas que incrustam no ser idoso condições de invalidez e desvalia.

Não se trata de uma unanimidade, mas alguns ambientes são extremamente nocivos.

O ponto de vista aqui desenvolvido considera toda cena revelada ao longo dessa experiência como advertência a práticas sutis que desconsideram a pessoa humana do idoso.

Vale ressaltar o significado filosófico do termo experiência ,dicionário Webster (1996, p. 681): “qualquer conhecimento por meio dos sentidos”, “a observação, encontro ou sujeição a coisas geralmente como elas ocorrem ao longo do tempo”, “sabedoria prática obtida com aquilo que se observou, encontrou ou submeteu-se”, pois remete  ao que nesse ambiente está escasso, as possibilidades dos idosos de experienciar, de atribuírem sentido ao que sentem e ao que produzem.

A visita à Casa de Repouso

A porta estava aberta, então toquei a campainha e pedi para falar com um dos responsáveis pelo local.

Na minha direção, acompanhada de uma enfermeira, vejo uma cena em que uma senhora com o olho roxo diz: “Estão maltratando”, “Ninguém vê ou finge que não vê”. (sic)

A senhora é encaminhada para dentro de uma sala, onde já se localizavam outras senhoras e algumas enfermeiras, houve alguma troca de xingamentos entre as idosas.

Após esta cena a enfermeira disse que o coordenador já estava a caminho, fingindo não haver importância ou nexo no que vi, pediu para que ficasse à vontade e saiu.

Eu estava ali, em um quintal grande, com um canteiro de flores na lateral, algumas árvores e bancos, roupas lavadas no varal, sons de pássaros.

As flores estavam vivas e bem cuidadas e as roupas exalavam um bom cheiro.

Do quintal avistava um quarto, de onde se ouvia conversas em voz alta e uma senhora atentamente me olhava, olhando a tv por instantes.

O coordenador chegou e por nome me apresentou a cada idoso.

Vislumbrei uma senhora que estava dormindo, sem reação alguma e que foi acordada a fim de que ele me “apresentasse”.

Ela disse que tinha 104 anos e logo voltou a dormir.

A caminho de um dos quartos o coordenador disse: “estes aqui são os quartos das lúcidas”.

O quarto das Lúcidas

Ao entrar no quarto “das lúcidas”, me apresentou como psicóloga a uma senhora, disse a ela que eu iria entrar em sua mente, ao que ela respondeu, fechando um pouco o livro que a entretia:

一 Não preciso de psicóloga, preciso me fortificar!

Ao fundo eu via um par de chinelinhos virados de cabeça para baixo.

Pensei logo em desvirá-los, afinal há uma crendice popular que diz que chinelos virados chamam a morte!

Desci, então seguindo os passos daquele que parecia ter uma relação de proteção com as idosas enquanto passava por elas, ao que se ouvia seus pedidos de troca de galão de água, de mobília, de remédio para dor de dente, enfim do que pareciam esperar há algum tempo.

Entrei então na casa da frente, morada, segundo a voz do próprio coordenador, das “mais comprometidas”, “aquelas que vocês ouvem falar e acham que são normais”.(sic)

Na sala, com a televisão ligada e sem som, o coordenador continuou uma apresentação breve de cada idosa, em meio a sua fala “essa tem Parkinson, essa tem Alzheimer”.

Talvez sem intenção de provocar ou talvez como protesto ou escracho, uma idosa disse:

一 Essa não tem dentes, olha a boca dela.

“Essa”, então, abriu a boca prontamente e prosseguiu: “dentes são perigosos”.

Uma terceira pôs fim ao assunto, rindo (com todos os dentes na boca):

一 Dentes não são perigosos, eles não falam mal da gente!

Quanta lucidez, aquela senhora ainda mantinha força para digerir e triturar a indelicadeza das duras palavras.

Seguindo para os quartos, observo um espaço limpo, organizado, arejado, com muitos ursos de pelúcia.

Cada idoso com o nome na gaveta de cômoda, um quarto a parte para as roupas de todos os idosos e um banheiro adaptado. Parecia mesmo uma casa não habitada.

Elas não gostam de se mexer muito aqui na Casa de Repouso

Questionei se a casa oferecia atividades aos idosos, ele disse que não.

“Somente levamos para andar e tomar banho de sol”.

Depois de meu silêncio, completou: “Elas não gostam de se mexer muito”.

Pelo coordenador soube que nesta Instituição, a morte não era abordada sob nenhum aspecto.

Quando um idoso morria, mentia-se, dizendo que este havia voltado para casa, preferiam assim, ignorar. Talvez ignorassem também a vida!

Soube também que alguns idosos podiam sair sem acompanhante; que não aceitavam voluntários, pois um dos maiores problemas enfrentados era o de justamente encontrar profissionais que amassem, e se dedicassem ao serviço, e que não sendo possível punir o voluntário caso não se comportasse de acordo com o estabelecido, era mais cômodo não aceitá-los.

Soube que a casa contava com um geriatra, com auxiliares de enfermagem e com uma enfermeira padrão.

Ouvi que, por sua experiência, o pior era lidar com o abandono da família dos idosos, principalmente sobre os aspectos financeiros: a falha no abastecimento de medicamentos e no acompanhamento médico; que entre os atendidos só havia um homem, pois “homens duravam pouco”.

Que as mulheres eram briguentas, terríveis, que até entravam em luta corporal, que só gostavam da Rede Globo, mesmo em horário de futebol e finalmente que a porta estaria escancarada para que eu voltasse quantas vezes quisesse.

Estes foram os primeiros traços desenhados, várias questões despontaram através deste recorte que direi ao final deste relato.

A segunda visita

Já na segunda visita, também em um final de manhã de sábado, enquanto esperava o almoço ser servido do lado de fora da casa, fui chamada a aguardar na sala de estar.

Na sala de estar do sobrado, encravado na parede, havia um quadro, que não era uma arte qualquer, escolhida como decoração ou adorno de um espaço para sempre estar, para aconchegar, encravado na parede da sala estavam emoldurados, enumerados, em caligrafia especial, os seguintes escritos:

1- O cliente é a pessoa mais importante em qualquer tipo de negócio.

Esse será um negócio como outro qualquer? Que tipo de negócio é esse? Trata-se de tratar simplesmente? Tratar bem? O que se espera desse “negócio”?

2- O cliente não depende de nós, nós dependemos dele.

Questionável.

Neste caso são todos dependentes. Como inverter essa relação no cuidado? Relação de emprego? O funcionário faz o que é demandado e o que é demandado? Cuidado? Olhar? Qual o telefone do SAC?

3- O cliente nos faz um favor quando liga, portanto merece toda a consideração e atenção imediata, não deixe aguardando ou sem resposta.

Qual o prazo máximo que alguém pode esperar para ter sua necessidade primordial de cuidado satisfeita?  O cuidado neste caso, não somente das necessidades do corpo físico, mas de um corpo que é investido de afeto. O que é possível pensar é que ao final da vida, o idoso é tirado do seu lar para cuidados especiais, porém parte importante do viver, que são os afetos vividos em família, em companhia, também passam a ser demanda enviada à funcionários de uma Instituição. As necessidades de conversa passam a ser encaminhadas a um psicólogo, as necessidades de toque a um fisioterapeuta, as necessidades de alimentação a um nutricionista. Desconsideram por completo, os gostos, os sabores, toda a tradição e os costumes são ignorados! tudo passa a ser um favor, que pode ou não ser deferido.

4- O cliente é parte essencial para o nosso negócio, não parte descartável.

A palavra descartável, que tem como significado aquilo que tem pouca ou nenhuma utilidade; desuso.

Este item talvez seja o mais emblemático: busca lembrar que o descartável, (talvez) o idoso, assim não pode ser mais visto, ali ele é essencial, pelo menos para o negócio.

5- O cliente é o sangue de qualquer negócio, é ele quem paga o seu salário.

Sangue é princípio de existência, de força, de vida. O negócio passa a ser a família do idoso/cliente, neste lugar os indivíduos têm um ancestral comum (ex.: são do mesmo sangue). = FAMÍLIA.

6- O seu celular pode lhe atrapalhar na hora de seu trabalho, portanto desligue.

7- Quando você está falando ao celular, seu cliente está esperando.

Apesar do excesso de uso do celular no ambiente que estes itens pressupõem o que falta é ligação, conexão, relação. (Talvez seja esse o maltrato a que a senhora se referia quando dizia “Estão maltratando”, “Ninguém vê ou finge que não vê”.)

Esses dizeres são a filosofia do lugar e que apesar de mostrarem um aparente cuidado, revelam sutilmente a negligência de aspectos fundamentais para a vida de qualquer ser, para  o sentido de pertença no mundo em qualquer idade: atencao, história, cuidado, individualidade.

Senhora kety

Após o almoço, Kety (uma senhora japonesa) veio sentar-se ao meu lado, buscando conversar.

Perguntei se a comida estava saborosa, e se iria tirar um cochilo, afinal o frio estava cortante naquele dia.

Todas as respostas que ouvi faziam referência ao seu antigo lar: “a comida estava gostosa, mas é diferente da sua casa. Na sua casa tinha o hábito de comer mais verduras e menos batatas e carnes, além das especiarias japonesas”.

Disse também que não iria se retirar para um cochilinho, porque quando “tem gente”  é preciso ficar para fazer sala.

Contou que se dá bem com as outras senhoras porque é preciso, que o coordenador é bem divertido, mas que se pudesse, naquele mesmo momento, pegaria suas coisas e voltaria para casa.

Kety demonstrou grande esperança de voltar, dizendo que sua sobrinha sentia também muito a sua falta, mas que tem outro sobrinho, que não se dá muito bem com ela.

Esse sobrinho deseja que ela fique lá.

E mesmo contando isso,  suas falas não tinham ranço, falava tentando não abrir mão do que lhe é caro, a educação de receber alguém em sua “casa”.

Grande foi minha vontade, neste momento, do de ir embora.

Porque alguém aparentemente tão cordata e delicada deveria ou merecia ser tirada do seu espaço de acolhimento e recolhimento, de seu lar? Caberia só a ela, adaptar-se?

Fiquei em meio à circulação das auxiliares, que não falavam comigo, mas que indiretamente se referia a mim.

Na sala ao lado, onde eram servidas as refeições, ouvia as enfermeiras dizendo: “Está falando baixo porque tem visita? Milagre hoje você estar comportada! Eu não sou malcriada! Elas não estão pensando nada!”

Uma idosa dizia: “você é minha amiga” e agradecia repetidamente pela refeição servida.

Uma outra dizia estar satisfeita, mas espiando vi que o seu prato estava intocado.

Não havia insistência para que comessem, alguns comiam mesmo como se não sentissem o gosto da comida. Nitidamente apenas como forma de alimentar o corpo, sem prazer.

Morte

O Coordenador chegou e me levou para mais uma conversa com as idosas.

Me acompanhou para fora do refeitório, e fui para os quartos externos: “das lúcidas”.

Passei pelo primeiro quarto, aquele da senhora que precisava se fortificar, perguntei onde ela estava.

Ele disse que ela havia morrido.

Choquei! Acabava de me defrontar com a efemeridade da vida.

Como um vento que passou, mas que era anunciado, deveria ter desvirado seus chinelos!

Nenhum funcionário me falou a respeito, mas ouvi da senhora do quarto ao lado: “ela passou mal a noite, dor no peito, mas eu não me assusto, da hora da gente não se sabe, eu tive uma sobrinha de 16 anos que se foi, tudo depende de como você cuida da roupa do esqueleto, de como tratou sua roupa” – e apontou para o próprio corpo).

Com esta senhora tive a oportunidade de conversar um pouco mais e conhecer sua história.

Dona Dothy

Estava ali por vontade própria, ficara viúva e para não ser mais humilhada pela irmã e sobrinhos, buscou o local, para viver para ela, “dinheiro já lhe faltou, porém nunca os braços” dizia

Dothy falava sobre ter que se adaptar a tudo na vida, até com a idade!

Não se dava bem com a vizinha de quarto, porque ela “cuida muito da sua vida”. Ali, ela sentia-se livre, livre e independente, contava.

Costumava ir às ruas, comprar filmes, guloseimas e novelos de lã.

Ela mesma confeccionava cachecóis e casacos com bastante primor, e cuidava dos detalhes dos tons das cores e de cada ponto para depois vendê-los.

Como quem levantava uma bandeira, mostrava os seus trabalhos. Eles pareciam mantê-la viva.

Era com grande orgulho também que mostrava sua pele e seu cabelo.

O tempo lhe era amigo exibia-se, e ainda  aconselhava: “cuide bem da sua pele e de seu cabelo, veja, eu só uso “shampoo de jaborandi”.

Depois de conversarmos um pouco, deixei-a, pensando: esta ainda não perdeu o fazer e o sentido no seu cotidiano, talvez por isso a saúde  nela permanecia.

Ilusão

No término da última visita, alguns familiares especulavam sobre a minha presença ali.

Um familiar contou que a Instituição foi elogiada por um médico do hospital, onde sua mãe passou por uma consulta de rotina (o seu corpo estava preservado).

A única queixa que esse mesmo familiar confidenciava, era que a Instituição trazia como propaganda, em seus folhetos, a presença de um Terapeuta Ocupacional.

Ela ria dizendo, que o Terapeuta seria o próprio Coordenador – Dono – Diretor – Filho da Dona.

Seu riso talvez denunciasse o valor dado pela família e pela Instituição ao corpo físico tão somente!

Talvez tenham feito propaganda da presença de um terapeuta ocupacional, achando ser este mais uma profissional cientificista. Erraram, mas o ato falho revelava a falha, pois o Terapeuta Ocupacional é um profissional que procura junto ao paciente encontrar sentidos para o fazer, não alguém sem preparo que propõe atividades a esmo, não alguém que tem um olhar preconceituoso para os idosos dizendo que “eles não gostam de se mexer ”.(sic)

São cegos para o que vai além do limite corpóreo, não reconhecem o valor da ser-no-mundo, da recreação, do trabalho ou atividade intrinsecamente motivada, flexível (Bruner, 1972), estimulante (Ellis, 1973), espontânea e durante a qual a realidade pode ser temporariamente suspensa , a fim de se ter uma interação ativa com o meio ambiente.

Neste lugar prometem cuidar, porém o cuidado com o fazer cotidiano do idoso, com o que cada idoso escolhe por sua energia  é totalmente negligenciado, em prol de uma contenção para se evitar acidentes, talvez.

Atentem a estas palavras

A vida se apresenta como um leque de ações rotineiras, o que faz com que associemos ao conceito de bem-estar um vasto campo de atividades humanas.

Neste conjunto de ações não podemos deixar de lado nem a realidade exterior nem a psíquica, pois as necessidades humanas estão relacionadas tanto às questões básicas e concretas de existência – incluindo, aqui, alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, trabalho, lazer, segurança ‒ quanto a subjetividade inerente ao homem ‒ como o gosto pela vida, a satisfação e o envolvimento emocional com pessoas e atividades, o propósito de vida e felicidade.

Inclui-se também a participação social, o trabalho significativo, a realização do si mesmo.

A vida cotidiana é como um pano de fundo, o código que nos orienta.

E por quais razões relegam essas necessidades, que são básicas, aos idosos? É a morte do cotidiano!

A morte daquilo que Michel de Certeau descreve tão bem :

“O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia. É aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior, é uma história a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velados… é um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres… Mas é também aquilo que nos apresenta dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente”.

O que se percebe no morto cotidiano asilar, nas rotinas habituais desta Casa de Repouso, em meio aos significados que os idosos atribuem às situações corriqueiras, o que sentem, como produzem (não produzem), como percebem o que fazem (não percebem), é que estão inseridos em um ambiente empobrecido e não mais possuem exigência, crítica ou necessidade de enriquecimento de suas atividades.

Ocuparam um lugar de menos valia social, desacostumaram a falar por si mesmos, conformando-se com espaços especiais e com a impossibilidade de realizar seus desejos e projetos através dos recursos que dispõe..

O asilo apesar de particular, torna pública a condição e a vida dos idosos.

Ali o homem, não o idoso, mas o homem, se limitou ao seu organismo.

A doença ou o corpo velho e desviante deslocou-se para a totalidade da pessoa, cobriu a sua presença, seus corpos não foram passados pelo crivo do que a sociedade elegeu como atributo de como deve ser do ponto de vista físico.

Aos seus corpos se aplicaram, portanto, crenças e sentimentos que estão na base existencial da nossa vida social e que, ao mesmo tempo, não estão subordinados diretamente ao corpo.

Esqueceram (se é que um dia souberam), que o sujeito ali é um ser de necessidade que somente se satisfaz socialmente, ou vive, através de relações com um outro, que o veja.

Não consideraram que o sujeito sadio é aquele que pode apreender a realidade, modificando-a e modificando-se a si mesmo, mantendo uma relação dialética com o meio, e não uma posição passiva e estereotipada, que impossibilita uma leitura de mundo disponível para mudança e uma apropriação dele, para transformá-lo.

Finalizando

Deixo claro que não minimizamos, em absoluto, o cuidado com o corpo, não farei esta divisão, há tempos sabida, contudo, praticada.

Considero então  as luzes que ali brilharam em alguns poucos instantes.

De tanto escancarar a porta, como se fossem uma Instituição exímia, apareceram estudantes dispostos a intervir e enriquecer este cotidiano.

Na nossa última visita, grupos de estudantes de outras Instituições, apresentaram intervenções, projetos de recreação e real cuidado.

E, para Dothy, aquela idosa para quem o asilo representa independência, entendi que ela encanta-se com aquilo que é mais sutil.

A atenção e o cuidado com a forma com que realiza cada atividade possibilitam pensar prováveis sentidos, porque é feita, como é feita, em que situações.

Ela encontrou, sem ajuda familiar ou institucional novas formas de estar e agir no mundo, esta já era independente antes de chegar ao asilo, em contraposição aos que chegam ali, justamente por dependência.

Não sei se consegui me despir daquilo que faz o olhar ver apenas que já é esperado ou daquilo que era sabido, mas me esforcei para abandonar formas constituídas, prontas, para então privilegiar a experiência viva da percepção no instante que aconteceu.

Minha proposta foi pensar e olhar criativamente como estrangeiro o que me parecia conhecido e conclui que o abandono é prática comum neste lugar, mas não unânime, e que há aqueles que, mesmo abandonados, não abandonam a si mesmos.

Mergulho no sensível:

MORAR NESTA CASA

CASA E CONDUTA

As partes claras
e as partes negras
do casarão
cortam no meio
meu coração.

Sou um ou outro
móbil caráter
conforme a luz
que me percorre
ou se reduz.

Anjo – esplendor,
mínimo crápula,
não sou quem manda
em mim no escuro
ou na varanda.

Serei os dois
no exato instante
em que abro a porta,
ainda hesitantes,
a porta e eu?

O casarão
de lume – e – sombra
é que decide
meu julgamento
na opinião
dos Grandes, sem
apelação
do eu confuso
no indefinível
entardecer.

Carlos Drummond de Andrade

Referências:

CERTEAU, Michel: A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis. : Vozes, 2008.

BRUNER, J. S. Nature and uses of immaturity. American Psychologist.27:708,1972.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa – conforme as disposições do autor. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.  

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Psicóloga Carolina Soares Manfio CRP 06/121019 Gerente de Organização Escolar, Psicóloga Clínica, com experiência em atendimentos supervisionados e em consultas terapêuticas na abordagem psicanalítica winnicottiana, em consultório particular.

Gostaríamos de escutar o que você tem a dizer.

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