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psicoterapia infantil, terapia com criança

A psicoterapia infantil e o que a gente, as vezes, não quer admitir

Muita gente nos questiona sobre a psicoterapia infantil, se funciona, como funciona, a partir de que idade as crianças devem iniciar um tratamento e por quais motivos, mas a verdade é que nem sempre quem precisa de cuidados é a criança. Esse texto fala sobre isso de um19a maneira bem simples e divertida.

-Onde a gente tá indo?
-No psicólogo.
-O que é isso?
-Humm… psicólogo? psicólogo é uma pessoa pra você conversar.
-Eu já converso com meus bonecos do Comandos em Ação.
-Não, filho. É outro tipo de conversa.
-Que tipo?
-Humm.. tipo? Tipo uma pessoa que só vai te ouvir.
-Parece minha conversa com os bonecos do Comandos em Ação.

Estacionamos. Entramos no prédio. Pessoas sentadas na sala de espera. Sentei ao lado de uma moça bonita. Ela sorriu. Eu não. Ela lia revista contigo. Acho que psicólogo deve ser um local onde pessoas que conversam com bonecos e pessoas que lêem revista Contigo se encontram pra conversar.

Minha mãe voltou do balcão. Pegou uma revista Contigo.

-E agora, mãe?
-A gente lê revista enquanto espera.

É isso que se faz numa sala de espera de psicólogo. As pessoas esperam.

-João Mendonça.

Era meu nome.

-Vamos filho.

Mamãe pegou minha mão e seguimos a moça de branco. Cumprimento frio. A moça olhou pra mim e sorriu. Eu não.

-E aí, João. Tudo bem?

Não respondi. Ela era bonita. Não me apaixonei por nenhuma professora. Acho que vou me apaixonar pela psicóloga.

-Ele é meio tímido.
-Entendi. É um dos motivos de trazer ele?
-É, também. Ele não sai de casa, doutora.
-Posso ficar um pouco a sós com ele?

Mamãe balançou a cabeça afirmativamente e saiu. “Enfim sós” pensei.

-Podemos conversar um pouco?
-Claro.
-Você sabe por que está aqui?
-Minha mãe disse que era pra conversar.
-Você não conversa com ninguém?
-Com os bonecos do Comandos em Ação.
-Digo, com pessoas.
-Estou conversando com você.
-Além de mim?
-Na escola.
-Você gosta de ir pra escola?
-Eu não.
-Por que?
-Porque é chato. As crianças são chatas. As professoras falam como se a gente fosse bebezinho.
-E o que você gosta de fazer?
-Ficar no meu quarto brincando com os bonecos do Comandos em Ação.
-E na rua você gosta de brincar?
-Não muito.
-Por que?
-Você parece criança. Tá sempre perguntando “por que?”.
-Você tem razão.

Silêncio.

-Você tem algum medo?
-Tenho medo de morrer.
-Você é muito jovem pra pensar nisso.
-Você tem medo?
-Sim.
-O que você faz pra passar?
-Rezo e você.
-Eu choro.

Silêncio.

-Você é feliz?
-O que é ser feliz?
-É quando algo te faz sorrir.
-Quando cheguei na sala de espera uma moça sorriu pra mim.
-Talvez ela fique feliz ao ver crianças.
-Por que uma pessoa feliz lê revista Contigo?

Silêncio.

-Você pode pedir pra sua mãe entrar e esperar um pouco lá fora?

Acenei afirmativamente com a cabeça. Saí. Mamãe entrou. Peguei uma revista Contigo pra ler. Uma criança sentou na cadeira em frente. Sorri. Ela não sorriu. Li os capítulos da semana da Malhação. Mamãe saiu. Brava.

-Vamos embora, moleque!

Fomos. Levei uma Contigo comigo. Entramos no carro. Mamãe deu partida. Acelerou.

-O que aconteceu, mãe?
-Você não precisa mais vir no psicólogo.
-O que a moça falou?
-Falou pra eu marcar consulta pra mim.

Silêncio.

-Mãe, podemos comer um Mc Lanche Feliz?

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Vitor Miranda, 27, poeta e escritor não acadêmico. Vive em
São Paulo e publicou os livros “Num Mar de Solidão” e
“Poemas de amor deixados na portaria”.

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