Ouvir é Uma Das Melhores Formas De Ajudar

Ouvir é uma das melhores formas de ajudar com certeza absoluta e vou contar para vocês, aí vocês me dirão (por comentário) se é ou não é verdade.

Quando comecei a trabalhar com Psicologia queria retribuir. Retribuir a atenção que recebi desde pequeno em várias etapas cruciais na minha vida. Foram vários profissionais que interviram (ou só ouviram) e que, por isso, me fizeram chegar até aqui.

Quando falo, sou meio complicado. É difícil para mim transformar aquilo que estou pensando em palavras para que o outro entenda. Comunicação, embora seja meu forte, ao mesmo tempo é minha fraqueza.

Me fizeram acreditar que pelo menos escrevendo consigo transmitir o que penso, mas para falar, são horas. E ponha horas nisso. Para contextualizar, para ordenar, para eu mesmo entender aquilo que estou falando e pensando.

Minha cabeça não para. A sua para?

Quando as coisas estão tumultuadas na minha mente, eu falo, falo com quem confio. Falo com quem não conheço e que não verei nunca mais, mas falo.

Agora, na psicologia eu ouço.

O ato de ouvir é um processo complicado, principalmente quando sua cabeça é rápida. Temos muita pressa, queremos completar as palavras dos outros. Então ouvir é um treino.

Esse meu treino começou com um projeto de Ouvir e Contar Histórias. Ouvir as histórias de idosos me levou a ouvir histórias de qualquer pessoa (claro que com hora marcada pois se bobear eu acabo sendo sugado e falo). Mas quando entro em uma sala para atender, eu ouço, eu vejo e existo como profissional por você.

E fazia isso também no voluntariado. E conheço muitas pessoas que fazem isso.

O CVV é um local desse tipo de ajuda. Onde você pode contar com ouvidos atentos para ajudar.

Enfim, tudo isso para dizer que: sim, ouvir é uma das melhores formas de ajudar. Ouvir sem dar conselhos ainda é mais difícil. Ouvir com atenção total, conhecendo e percebendo cada emoção na pessoa a sua frente é outro coisa que precisamos tentar mas que é possível.

Uma palestra falando sobre a importância do Ouvir

Um disque-ajuda 24 horas no Reino Unido, conhecido como Samaritans, ajudou Sophie Andrews a se tornar uma sobrevivente do abuso em vez de uma vítima.

Agora ela retribui o favor como a fundadora do The Silver Line, um disque-ajuda que dá apoio a idosos solitários e isolados. Nesta palestra intensa e pessoal, ela compartilha porque o simples ato de ouvir (em vez de dar conselhos) é, muitas vezes, a melhor maneira de ajudar alguém que precisa.

Tradução da Palestra feita por Maurício Kakuei Tanaka e Revisão feita por Cláudia Sander

Depois de cortar o braço com um caco de vidro, ela caiu num sono agitado e exausto, na plataforma da estação de trem. De manhã, quando os banheiros da estação foram abertos, ficou dolorosamente em pé e caminhou em direção a eles. Quando viu seu reflexo no espelho, começou a chorar. O rosto estava sujo e manchado pelas lágrimas; a camisa estava rasgada e coberta de sangue. Parecia que tinha estado nas ruas por três meses, não por três dias. Lavou-se da melhor forma possível. Os braços e o estômago doíam muito.Tentou limpar as feridas, mas, a qualquer pressão aplicada, começava a sangrar novamente. Precisava de pontos, mas não podia ir a um hospital. Levariam-na novamente de volta pra casa; de volta pra ele. Fechou a jaqueta bem apertada para cobrir o sangue. Olhou-se de volta no espelho. Parecia um pouco melhor do que antes, mas isso já não importava. Só conseguia pensar em fazer uma coisa. Saiu da estação e entrou numa cabine telefônica próxima.

01:23 – (Campainha de telefone)

01:28 – (Campainha de telefone)

01:32 – Mulher: Samaritans, posso lhe ajudar? Alô, Samaritans. Posso lhe ajudar?

01:40 – Menina: (Chorando) Não sei.

01:42 – Mulher: O que houve? Você parece muito triste.

01:46 – (Choro)

01:50 – Mulher: Vamos começar pelo seu nome? Sou Pam. Como posso te chamar? De onde você fala? Está segura?

02:02 – Menina: Estou em uma cabine telefônica em Londres.

02:05 – Pam: Você parece muito jovem. Quantos anos você tem?

02:08 – Menina: Catorze.

02:10 – Pam: O que aconteceu para te deixar tão triste?

02:13 – Menina: Só quero morrer; acordo todo dia e desejo estar morta. Se ele não me matar, acho que eu mesma quero fazer isso.

02:21 – Pam: Fico feliz por ter ligado. Vamos começar do início.

02:28 – Sophie Andrews: Pam continuou a conversar com a menina. Ela não falava muito; havia muitos silêncios. Mas sabia que ela estava lá, e ter Pam do outro lado da linha era muito reconfortante. A menina de 14 anos que fez essa ligação fui eu. Era eu na cabine telefônica. Eu estava fugindo de casa, dormindo nas ruas de Londres. Estava sendo abusada sexualmente por meu pai e pelos amigos dele. Estava me auto-mutilando todos os dias. Eu queria me matar. A primeira vez que liguei para o Samaritans tinha 12 anos e estava totalmente desesperada. Fazia alguns meses que minha mãe havia me abandonado, ela foi embora e me deixou em uma casa de família. O abuso que eu estava sofrendo por meu pai e pelos amigos dele me deixou arrasada. Eu estava fugindo, perdendo aula, chegando bêbada. Não tinha esperança e queria morrer. Foi aí que entrou o Samaritans.

03:33 – O Samaritans existe desde 1953. É um disque-ajuda 24 horas, sigiloso, no Reino Unido, para qualquer um que esteja desesperado ou querendo se matar, o que certamente era meu caso. Os voluntários atendem o telefone a qualquer hora, todos os dias, e as ligações são sigilosas. Na minha adolescência, quando eu estava mais desesperada, o Samaritans foi minha salvação. Eles me prometeram sigilo total e assim ganharam a minha confiança. Mesmo achando minha história perturbadora, nunca demonstraram isso.Sempre estiveram comigo e me ouviram sem julgamento. Incentivavam-me principalmente a buscar ajuda;nunca me senti fora de controle com eles, um paralelo interessante, pois me sentia tão fora de controle em todos os outros aspectos de minha vida. Era como se a automutilação fosse a única área em que eu sentia ter algum controle.

04:29 – Alguns anos depois, consegui ter algum controle em minha vida. Tive apoio adequado para me permitir viver com o que havia acontecido. Havia me tornado uma sobrevivente do abuso e não mais uma vítima. Aos 21, contatei o Samaritans de novo. Mas, dessa vez, porque eu queria me tornar voluntária. Queria retribuir à organização que realmente salvou minha vida. Eu sabia que o simples ato de ouvir com empatia poderia ter um efeito profundo. Sabia que alguém me ouvindo sem julgamento faria a maior diferença.

05:07 – Retomei meus estudos, encontrei alguém para persuadir a me dar um emprego, e curti meu voluntariado no Samaritans. Quando digo “curti”, é uma palavra estranha de usar, porque ninguém quer pensar em alguém vivendo em absoluto sofrimento ou dor. Mas eu sabia que aquele impacto profundo desse ouvido amigo e de alguém estar ao meu lado naquele momento de desespero tivera o maior impacto, e eu tinha uma grande sensação de realização por poder ajudar as pessoas como uma Samaritan.

05:38 – Em meus anos de voluntária no Samaritans, pediram para eu desempenhar vários papéis. Mas acho que o auge veio em 2008, quando pediram para eu presidir a organização por três anos. Passei daquela pessoa vulnerável na cabine telefônica, desesperada por ajuda, para ser a líder nacional da organização e responsável por 22 mil voluntários. Eu brincava na época e dizia que, se você fracassar atendendo ligações,pode acabar dirigindo o lugar.

06:03 – (Risos)

06:04 – Foi o que fiz. Mas acho que, num mundo dominado por profissionalizar tudo o que fazemos, eu entendia que esse simples ato de ouvir poderia ter um efeito tão transformador. Creio que é um conceito simples que pode ser aplicado em todas as áreas da vida.

06:22 – Nos anos 1980, quando liguei para o Samaritans, o abuso infantil era um assunto sobre o qual ninguém queria falar. Muitas vezes, as vítimas eram culpadas e julgadas. Era um assunto vergonhoso sobre o qual ninguém queria falar. Hoje o julgamento e a vergonha envolvem um assunto diferente. Há um estigma diferente lá fora: falar sobre a solidão. A solidão e o isolamento afetam profundamente a saúde. Ser solitário pode ter um impacto significativo em seu próprio bem-estar. A recente revisão sistemática das pesquisas mostra que isso elevou a taxa de mortalidade e, portanto, de morte prematura em até 30%. Pode levar ao aumento na pressão arterial, altos níveis de depressão, e está alinhada a taxas de mortalidade que podem ser mais associadas ao excesso de álcool ou ao fumo. A solidão causa mais danos do que fumar 15 cigarros por dia; não em sua vida, mas no seu dia. Também é associada a níveis mais altos de demência. Um recente estudo também constatou que as pessoas solitárias correm o dobro de risco de desenvolver Alzheimer. É claro que há muitas pessoas que moram só e não são solitárias. Mas ser o cuidador de um parceiro que talvez tenha demência pode ser uma situação muito solitária.

07:47 – Um estudo recente e inovador nos deu uma definição muito boa e clara sobre o conceito da solidão. Diz que é um sentimento subjetivo, não bem-vindo, de falta ou perda de companhia. Acontece quando há uma combinação mal sucedida entre a qualidade e a quantidade de relacionamentos que temos e aqueles que queremos. A melhor ajuda que já recebi na vida veio daquelas ligações pessoais e do fato de ser ouvida com empatia. Os profissionais, e estou falando para um grupo deles, ocupam um lugar muito importante. Mas, para mim, um voluntário cedendo seu tempo e me ouvindo sem julgamento, de modo sigiloso, teve um enorme efeito transformador para mim. Isso permaneceu comigo. Como viram, na adolescência, eu estava fora de controle, imaginava todo dia se viveria o amanhã. Mas esse impacto profundo da voluntária me ouvindo permaneceu comigo. Quando finalmente cheguei a um momento da vida em que poderia viver com o que tinha acontecido, quis retribuir. Pela minha experiência, as pessoas ajudadas de modo transformador têm sempre o desejo de retribuir. Aos 25 anos, comecei a retribuir como voluntária do Samaritans.

09:05 – Então, em 2013, notando toda essa questão e o novo estigma da solidão, comecei um novo disque-ajuda para idosos no Reino Unido chamado The Silver Line, para dar apoio a idosos solitários e isolados. Em nossa breve história, recebemos 1,5 milhão de ligações. Estamos causando um grande impacto, baseado nos comentários que recebemos todos os dias. Algumas pessoas podem ligar para uma conversa amigável,talvez alguma informação sobre serviços locais. Alguns podem ligar porque querem se matar. Outros podem ligar para denunciar abuso. E alguns, como eu, podem ter simplesmente desistido da vida. Acho uma ideia bem simples criar um disque-ajuda. Olho para trás, naquele início, quando eu tinha o título de diretora executiva, mas era minha própria diretora executiva. Devo dizer que tive as melhores reuniões de minha carreira

09:59 – (Risos)

10:00 – Como diretora executiva de mim mesma. Mas as coisas continuaram, e agora, em 2017, temos uma equipe com mais de 200 pessoas ouvindo idosos todos os dias do ano, 24 horas por dia. Também temos mais de 3 mil voluntários fazendo ligações de amizade semanalmente de sua própria casa. Para as pessoas que gostam de escrever, também oferecemos as Silver Letters, e escrevemos cartas para os idosos que ainda gostam de receber uma carta. Também criamos os chamados Silver Circles. Notem que me apropriei da palavra “silver”.Coloco “silver” na frente e é nosso. Os Silver Circles são grupos de teleconferência em que as pessoas conversam sobre interesses comuns. Meu grupo favorito é o de música, em que, toda semana, os membros tocam instrumentos ao telefone uns para os outros. Nem sempre no mesmo tom ou ao mesmo tempo.

10:47 – (Risos)

10:49 – Mas eles se divertem. Divertimento é uma palavra interessante, porque conversei bastante sobre desespero, solidão e isolamento. Mas, se viessem para nosso disque-ajuda no Reino Unido, também ouviriam risos,porque, na Silver Line, queremos valorizar a vida maravilhosa dos idosos e todas as experiências que eles trazem. Aqui está um exemplo, só um trecho de uma de nossas ligações.

11:11 – (Áudio) Bom dia, você está na Silver Line. Meu nome é Alan. Como posso ajudar?

11:15 – Mulher: Alô, Alan. Bom dia.

11:17 – Alan: Alô.

11:18 – Mulher: (Animada) Alô!

11:19 – Alan: Como vai nesta manhã?

11:20 – Mulher: Estou bem, obrigada.

11:22 – Alan: Fico feliz em saber.

11:23 – Mulher: Que coisa maravilhosa é o telefone, não é mesmo?

11:27 – Alan: É uma invenção extraordinária, não é?

11:30 – Mulher: Lembro, quando criança, há muitos anos, que, se você quisesse telefonar para alguém, teria que ir a uma loja, usar o telefone de lá e pagar à loja para usar o telefone e fazer sua ligação. Você não fazia as ligações quando tinha vontade.

11:48 – Alan: Ah, não.

11:49 – Mulher: (Tosse) Perdão. (Tosse) Peço desculpas. Você tinha, sabe, que restringir suas ligações para o absolutamente necessário. E agora, aqui estou eu, sentada em minha própria casa, de roupão ainda, e usando o telefone, não é maravilhoso?

12:07 – Alan: É sim. (Risos)

12:10 – SA: Essa não é uma ligação incomum de nosso disque-ajuda. É alguém que realmente nos vê como parte da família.

12:17 – A Silver Line está ajudando os idosos da mesma forma que o Samaritans me ajudou. Está lá 24 horas por dia, ouvindo-os de forma sigilosa e, muitas vezes, sem dar conselho algum. Com que frequência realmente ouvimos sem dar conselhos? É realmente muito difícil. Muitas vezes, nas ligações telefônicas, um idoso diz:“Pode me dar um conselho, por favor?” E, 20 minutos depois, dizem: “Obrigado por seu conselho”, e percebemos que não demos nenhum.

12:41 – (Risos)

12:42 – Ouvimos sem interromper. Mas, para aquela pessoa, talvez tenhamos dado um conselho. Recentemente, conduzimos uma pesquisa na Silver Lane com 3 mil idosos para lhes perguntar o que achavam do serviço.Uma pessoa simplesmente voltou e disse que, pela primeira vez na vida, teve o que chamamos, no jogo de críquete, de guarda-meta, e que vocês chamam, no beisebol, de receptor. Estou há 48 horas falando inglês americano. Não me reconhecerão quando eu chegar em casa.

13:11 – (Risos)

13:12 – Mas, pela primeira vez na vida, o receptor estava com ela, o que é extremamente importante.

13:17 – Agora o círculo se completa, porque as pessoas que ligam para nós e procuram um receptor, tornam-se, elas próprias, receptoras, retribuindo, tornando-se voluntárias e parte da família.

13:29 – Terminei minha palestra como comecei, falando sobre minha própria experiência pessoal. Quando falo sobre minha vida, costumo dizer que tenho sorte. Geralmente, as pessoas querem saber o motivo. Em toda fase de minha vida, tenho a sorte de ter alguém ao meu lado, na hora certa, que talvez tenha acreditado em mim. Isso tem me ajudado a acreditar um pouco mais em mim mesma, o que tem sido muito importante. Todos precisam de um receptor em algum momento da vida.

13:58 – Esta é minha receptora. Esta é Pam, que atendeu minha ligação quando eu era aquela menina de 14 anos na cabine telefônica, há mais de 30 anos. Jamais subestime o poder de uma simples conexão humana, porque ela pode e, muitas vezes, é o poder para salvar uma vida.

14:18 – Obrigada.

14:19 – (Aplausos)

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Raul Oliveira

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Psicólogo CRP 06/154.661 - Formado Psicologia e em Administração com ênfase em Marketing, geek que respira tecnologia, pesquisador e mestrando em tecnologias da inteligência e design digital. É um dos fundadores do Psico.Online e do MeuPsicoOnline.com.br. Com diversos artigos e livros publicados tem sua atuação focal em jovens, adultos e idosos. Agende comigo