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O julgamento e a morte da alma: uma reflexão sobre as doenças mentais

Levei algumas semanas até conseguir parar pra escrever esse texto. Talvez porque seja um assunto delicado pra mim, talvez porque requer uma atenção especial, talvez porque seja um assunto muito complexo para o mundo: o julgamento e as doenças mentais.

Há algum tempo eu e minha família vivemos na pele os efeitos colaterais de um julgamento desmedido, impensado, cruel. Uma situação rotineira nos noticiários, daquelas que a gente até acostuma a ver e a palpitar a respeito, acontecia dessa vez, com a gente.

O rosto de alguém que amamos estampado nos noticiários, acompanhado de um conteúdo cheio de erros, de mentiras, de desinformação, de injustiças.

Entre telefonemas, choros, medo, raiva e tristeza, encontro uma das fontes das informações desencontradas. Respiro fundo e calmamente explico a situação verdadeira para essa pessoa, que imediatamente se propõe a retirar algumas notícias das redes sociais, me pede desculpas e diz que jamais imaginaria a real situação.

Pois é, jamais imaginamos a real situação. Simplesmente saímos por aí, com nossos julgamentos afiados e disseminando nossa raiva pelos quatro cantos, sem pensar, sem ponderar, sem cuidado, sem amor.

Há algumas semanas uma situação bastante triste aconteceu na minha cidade natal, uma situação rodeada por desencontros, por julgamentos, por dor. Eu acompanhava de longe algumas notícias sobre o caso, triste por uma morte precoce, tentando entender o motivo que teria levado alguém a cometer o tal crime.

Eis que numa determinada noite nessa mesma semana, atualizando meu feed de notícias, me deparo com o relato de um velho colega, um texto forte, um desabafo que eu poderia ter escrito há alguns anos atrás. Algumas pesquisas e descubro que o tal “assassino” que todos os jornais regionais noticiavam era seu irmão. Entre tantas palavras, a possível justificativa para o “crime”: o irmão era psicótico. Uma vida de tentativas para salvá-lo de si mesmo e agora nada mais poderia ser feito. A justiça o julgará, a sociedade o condenará e junto com ele toda a família, que despedaçada recebe um à um os comentários maldosos, raivosos e mortais de quem fala sem ter passado por algo parecido.

Meu coração se contrai, entristeço e paraliso, sem saber como agir, sem saber como defendê-los. Eu sei que quem tenta defender também se transforma em vilão, afinal, passei por isso e vivo nessa sociedade onde “bandido bom é bandido morto”, mas eu sei que cada pessoa aprisionada tem uma história, cada família tem uma batalha e cada vida a sua dor.

Não sei como essa história vai acabar, mas eu torço pra que um dia, a gente saiba primeiro ouvir e depois, quem sabe, julgar, sem cometer o erro de crucificar quem diariamente já carrega uma cruz.

As doenças mentais nem sempre tem uma explicação, nem sempre tem um remédio, nem sempre tem controle. Você se esforça pra manter seguro aquele que pouco a pouco se aprisiona e num piscar de olhos, tudo pode desmoronar.

Não foi descuido!

Foi cansaço, foi um lapso na confiança de que tudo poderia ser diferente, de que tudo poderia dar certo e será um eterno vivenciar a dor, de algo que jamais pudemos controlar. Torço para que um dia sejamos uma sociedade amorosa, que pensa e age com cautela e com gentileza e gere muito, mas muito menos sofrimento.

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CRP 6/101759 - Graduada pela Universidade São Francisco, mestre em Ciências da Saúde pela Coordenadoria de Controle de Doenças do Estado de São Paulo. Psicóloga clínica desde 2010, busca constante aprimoramento na abordagem analítica. Estudou Cinesiologia no Instituto Sedes Sapientiae, frequentou grupos de estudo e supervisão teórica na Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica de São Paulo e ainda, integrou o grupo de Neurociências do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Atualmente é doutoranda em Psicologia Social, pela Universidad Complutense de Madrid.

Gostaríamos de escutar o que você tem a dizer.

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